A RENÚNCIA DE RECEITA
TRIBUTÁRIA QUE CARACTERIZA ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA LESIVO AO ERÁRIO
André Vitor de Freitas
O presente trabalho está inserido no conjunto de
temas propostos para apresentação, discussão e debates em forma de teses a
serem apresentadas no I Congresso do Patrimônio Público e Social do Ministério
Público do Estado de São Paulo.
O tema escolhido para este trabalho é “Improbidade e Lei de
Responsabilidade Fiscal”, constante da alínea “t” do Regramento para elaboração
e apresentação de teses para o Congresso mencionado.
Tendo por foco as inúmeras dificuldades que os membros do Ministério
Público encontram e enfrentam para compreender, comprovar e demonstrar a
caracterização de atos de improbidade administrativa em geral, em especial
aqueles que são praticados em razão de ofensas à Lei de Responsabilidade Fiscal
(Lei Complementar Nacional n. 101/2000), tem este trabalho também o objetivo
específico de compartilhar alguns estudos e conclusões alcançados a partir do
disposto no artigo 14 da LRF em conjunto com o disposto no artigo 10, incisos
VII e X, da Lei Federal n. 8.429/92 – Lei de Improbidade Administrativa,
auxiliando e prestando alguma colaboração aos colegas de Ministério Público no
exercício de suas funções, bem como a todos aqueles que, no cumprimento de seus
deveres profissionais e/ou morais, atuam na fiscalização e controle do correto
e integral cumprimento das leis vigentes por parte dos administradores
públicos, notadamente no que toca à probidade na arrecadação de receitas
tributárias.
I – A caracterização da renúncia de receita
tributária.
Prática muito comum em nossos municípios é a concessão de benefícios ou
incentivos de natureza tributária por parte de chefes do Poder Executivo, ou
seja, Prefeitos. Tal prática também ocorre no âmbito estadual, por parte de
Governadores, e, obviamente, também no âmbito nacional, por intermédio de atos
normativos de iniciativa do Presidente da República.
No entanto, considerando a quantidade e a extensão atingida por atos
advindos dos Poderes Executivos Municipais dos inúmeros municípios paulistas, a
exemplo do que também ocorre em todo nosso país, e ainda levando-se em conta as
inúmeras dificuldades para que os fiscais da lei tomem conhecimento e analisem
a regularidade destes atos concessivos de benefícios em todos os municípios
existentes, procuraremos nos ater aos aspectos e à análise destes atos somente
no âmbito municipal, nunca nos esquecendo que as considerações adiante expostas
são perfeitamente aplicáveis para a fiscalização de atos normativos da mesma
natureza nos planos estadual e nacional.
A concessão de benefícios ou incentivos de natureza tributária deve se
dar por meio de lei municipal, de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder
Executivo Municipal, titular e responsável pela representação da entidade
pública concedente do benefício. Se somente por lei se pode criar e instituir
tributos de competência municipal, somente por lei se pode “abrir mão” de
receber valores correspondentes a tributos já criados, devidos e não pagos. É a
aplicação integral da norma decorrente do artigo 150, §6º, da Constituição
Federal.
Tais leis municipais tem sido publicadas com muita freqüência nos mais
diversos municípios paulistas, ora visando incentivar o recolhimento de
tributos já vencidos e não pagos, muitas vezes já inscritos na dívida ativa
municipal, ora visando, ainda que de maneira velada, conceder benesses a uma
parcela considerável da população, tendo, nestes casos, finalidades escusas
que, na maioria das vezes, guardam total relação com o período eleitoral.
Os termos “benefício” ou “incentivo” fiscal são de conteúdo extremamente
amplos. Para bem compreendermos se tais benesses caracterizam ou não renúncia
de receita tributária é necessário compreendermos o significado jurídico destas
expressões.
Sem adentrarmos aqui na análise de conceitos e definições básicas do
Direito Tributário, como sujeito ativo, sujeito passivo, obrigação tributária,
dívidas principal e acessória, dentre outros, mostra-se importante destacar que
tais legislações municipais tem por foco beneficiar o sujeito passivo de uma
obrigação tributária já regularmente constituída, vencida e não paga.
Como estamos nos atendo a tributos de natureza municipal, na grande
maioria dos casos a incidência destas leis se dá sobre débitos já inscritos na
dívida ativa municipal decorrente do não pagamento de tributos como IPTU –
Imposto Predial e Territorial Urbano e ISS – Imposto Sobre Serviço.
Como também é cediço, todo município possui um Departamento ou
Secretaria, ou ainda um órgão específico responsável pela fiscalização e
arrecadação de tributos de sua competência constitucional. Este órgão, após
lançar os tributos a serem recolhidos pelos contribuintes e efetuar as
notificações respectivas, aguarda o normal e tempestivo recolhimento dos
valores correspondentes às obrigações tributárias devidas. Vencido o prazo para
pagamento e não efetuado tal recolhimento, o nome do contribuinte devedor e o
valor de sua dívida para com o Município passam a figurar num rol que,
normalmente, é conhecido como “dívida ativa” do Município, inserção esta que
normalmente ocorre no exercício financeiro seguinte àquele em que a dívida foi
constituída.
Todo este procedimento deve também estar previsto em lei municipal
específica, sob pena de nulidade absoluta. Tais leis normalmente constituem os
Códigos Tributários Municipais.
Faz-se tais considerações superficiais e singelas apenas para deixar bem
claro que as leis municipais que concedem benefícios ou incentivos fiscais
visam atingir exatamente aquela pessoa, física ou jurídica, que figura no rol
da “dívida ativa” municipal, ou seja, que deveria ter efetuado o recolhimento
de seus tributos, normalmente impostos (IPTU e ISS), mas não o fez, frustrando,
assim, a expectativa do ente público – no caso, os municípios – de receber
aqueles valores como receita para aplicação dos correlatos recursos em
finalidades públicas e sociais as mais diversas.
Portanto e em termos bem simples, tais leis beneficiam aqueles que, por
motivos e razões inúmeras, estão inadimplentes com suas obrigações tributárias.
Não discutiremos aqui questões filosóficas, econômicas ou políticas
relacionadas à carga tributária do país, com inegáveis reflexos nos municípios,
nem mesmo eventuais ilegalidades, inconstitucionalidades ou injustiças na
definição de alíquotas e fixação de bases de cálculos de impostos de quaisquer
naturezas, pois tais questões exigiriam análise profunda de vários aspectos,
todos absolutamente destoantes do objetivo deste trabalho.
Partiremos, em todas as considerações e conclusões aqui expostas, do
pressuposto de que os tributos sobre os quais incidem as leis concessivas de
benefícios e incentivos fiscais foram constituídos regularmente e não pagos de
maneira injustificada e indevida, frustrando, como dito acima, a expectativa do
ente público tributante de receber aqueles valores, os quais, certamente,
constavam de sua estimativa de receita tributária inserida na lei orçamentária
anual aprovada para aquele exercício financeiro.
Para beneficiar e/ou incentivar um contribuinte a efetuar o recolhimento
de seu imposto devido e não pago, tais leis municipais, como nos mostra a
experiência, tem concedido descontos sobre o valor total da dívida. Tais
descontos incidem normalmente sobre valores acessórios da dívida principal,
como, por exemplo, os valores correspondentes a juros e multas incidentes sobre
o valor principal da dívida.
Nunca é demais ressaltar que sobre o valor principal de uma obrigação
tributária devida e não paga tempestivamente incidem sua atualização monetária
– que não é acréscimo, nem pena acessória, mas apenas atualização do valor por
índices legais existentes –, juros e multa, estes últimos sim podendo ser
considerados penas acessórias.
Também não discutiremos aqui percentuais ou critérios de fixação de juros
e multas incidentes sobre dívidas tributárias, pois eles possuem enorme
variação de acordo com a legislação que criou o tributo respectivo, não sendo
possível debater tais questões neste específico trabalho.
Assim, ao conceder um “benefício” de natureza tributária, a lei municipal
respectiva permite ao contribuinte devedor que faça o recolhimento daquela
dívida sem o valor correspondente aos juros e à multa sobre ela
incidentes. Ou seja, aquilo que o Município previa como valor total inscrito em
dívida ativa é recebido a menos em razão de uma lei permissiva, que
concede ao contribuinte devedor o direito de efetuar o pagamento de seu tributo
apenas com o principal e sua atualização monetária, sem efetuar o recolhimento
dos valores relativos a juros ou multa.
É certo que, de um município para outro, pode haver variações na forma e
na extensão destes benefícios, como, por exemplo, eximindo os devedores do
pagamento apenas dos juros ou apenas das multas incidentes sobre o valor
principal das dívidas. No entanto, na grande maioria dos casos, a incidência
dos benefícios atinge ambos os acessórios acima mencionados, já que tal forma
de concessão de benefícios é mais “atrativa” aos olhos do contribuinte devedor,
sendo, portanto, um incentivo maior ao efetivo recolhimento do tributo.
Já os “incentivos” fiscais concedidos por leis da mesma natureza, apenas
para diferenciá-los dos “benefícios”, podem ser compreendidos como a concessão
de prazos maiores e longos para o pagamento de tributos já inscritos na dívida
ativa municipal, de modo que, nestes casos, não há redução de valores de juros
ou multa, mas o prazo para pagamento parcelado daquela dívida total é
extremamente maior do que os prazos permitidos pela legislação ordinária do
município, qual seja, o Código Tributário Municipal.
Importante salientar ainda que, em muitos municípios, as leis que
concedem os benefícios fiscais – aqui compreendidos como dispensa do pagamento
de juros e multa – condicionam tal benefício ao pagamento à vista, ou seja, ao pagamento
da dívida de uma só vez, correspondendo, neste caso, ao desconto integral
(100%) dos juros e multa sobre ela incidentes. Estas mesmas leis acabam por
conciliar e unir os conceitos de “benefício” e “incentivo”, estabelecendo uma
espécie de escalonamento de percentuais de desconto em relação ao tempo
solicitado pelo contribuinte para pagamento da dívida, diminuindo os
percentuais na mesma proporção em que o tempo de parcelamento da dívida
aumenta, de modo que o contribuinte somente terá desconto integral sobre juros
e multa se efetuar o pagamento da dívida à vista, ou seja, de uma só vez,
enquanto terá um percentual pequeno de redução destes acessórios se optar por
um pagamento parcelado em longo prazo.
Seja como “benefício”, seja como “incentivo”, ou ambos, o que estas leis
municipais criam nada mais são do que “anistias” tributárias. Ou seja, o que
elas fazem é permitir o recolhimento de dívidas tributárias já consolidadas sem
que se faça o recolhimento das penalidades a elas relativas, sejam multas ou
juros. A anistia é um instituto do Direito Tributário previsto no artigo 180 do
Código Tributário Nacional e que, nas palavras do sempre lembrado Professor e
Doutrinador Roque Antonio Carraza, “perdoa, total ou parcialmente, a sanção
tributária, isto é, a multa decorrente do ato ilícito tributário”[1],
É evidente que a lei concessiva do benefício fiscal também pode criar uma
“remissão tributária”, incidindo, neste caso, sobre a dívida principal já
constituída e não paga. Neste caso, estaríamos diante de uma situação de
remissão tributária, que a difere da anistia acima vista. Eliminando, parcial
ou totalmente, o principal da dívida, também eliminaria seus acessórios, no
caso os juros e a multa. No entanto, na grande maioria dos casos municipais de
que tivemos conhecimento, as leis desta natureza se restringem a conceder
benefícios que incidem sobre os acessórios da dívida principal, quais sejam, os
juros e as multas, motivo pelo qual podemos dizer que a grande maioria dos
casos existentes em municípios paulistas pode ser definida como leis que
estabelecem anistias tributárias.
Para concluir esta primeira parte do trabalho, nos resta afirmar que a
concessão de anistia tributária corresponde a uma renúncia de receita de
tributos, e tal afirmação se dá por, pelo menos, dois motivos.
Primeiro porque a Lei de Responsabilidade Fiscal é clara e expressa no
sentido de que a concessão de anistia está compreendida no conceito de renúncia
de receita tributária, conforme se observa do §1º de seu artigo 14. Portanto, é
o próprio texto da lei que assim o define.
Segundo porque, ao lançar um tributo e notificar seu contribuinte, o
Município passa a ter a expectativa de receber o crédito correspondente. Tais
créditos certamente estão inseridos na previsão de receita orçamentária
constante da lei orçamentária anual daquele exercício. A partir do momento em
que o débito tributário em questão não é pago, sendo posteriormente inserido na
“dívida ativa” do município, sobre ele incidem os juros e as multas previstas
na legislação municipal. O valor do débito que era composto apenas do
principal, agora passa a ser composto de juros e multa, como se fosse um só
todo. Tais valores também são inseridos na lei orçamentária anual como
expectativa de receita tributária.
Ora, se o município prevê em seu orçamento anual uma determinada receita
tributária, na qual estão inseridos os débitos inscritos em dívida ativa –
compostos de principal, juros e multa – e, por força de uma lei posterior,
“abre mão” de receber parte destes valores, inegavelmente está renunciando a
parte de sua receita tributária.
Portanto, ao projetar um texto legal e enviá-lo ao Poder Legislativo para
aprovação, tendo por objetivo conceder benefícios ou incentivos de natureza
fiscal sobre débitos inscritos em dívida ativa, o Prefeito de um Município deve
ter plena consciência de que está renunciando, ainda que parcialmente, à
receita tributária do ente público que ele representa. E tal renúncia de
receita, após a entrada em vigor da Lei Complementar Nacional n. 101/2000,
conhecida nacionalmente como Lei de Responsabilidade Fiscal, possui previsão,
condições e requisitos nela estabelecidos para que possa ser considerada
válida, os quais estão expostos no seu artigo 14.
II – Os requisitos para a legalidade da renúncia de receita tributária.
O artigo 14 da LRF é bastante claro e objetivo no que toca ao
estabelecimento de requisitos e condições para que leis concessivas de
benefícios ou incentivos fiscais – entenda-se anistia tributária – sejam
consideradas legais do ponto de vista da responsabilidade fiscal dos
administradores públicos.
O que tal dispositivo legal estabelece é que, partindo do pressuposto que
o ente público estará “abrindo mão” de parte de sua receita orçamentária, haja
previsão dos meios e mecanismos pelos quais se dará a compensação aos cofres
públicos em relação aos valores que o mesmo ente deixará de receber em razão da
aplicação daquela lei.
É por isso que exige logo no seu caput a apresentação, por parte
do Chefe do Executivo, de estimativa do impacto orçamentário-financeiro que a
aplicação da lei vai causar no ente público naquele exercício e também nos dois
exercícios seguintes.
Deve também o mesmo administrador público demonstrar que aquela lei
concessiva de benefícios fiscais atende ao disposto na lei de diretrizes
orçamentárias do ente público que representa, o que corresponde à exigência de
que tais benefícios estejam previstos como diretrizes orçamentárias daquele
ente, evitando sejam utilizados com finalidades escusas, como as relacionadas ao
período eleitoral.
Além destes dois requisitos acima, que são de extrema importância e
complexidade para o administrador que quer efetivamente conceder benefícios
fiscais, deve ainda restar comprovado por ele o atendimento de, pelo menos, um
dos dois requisitos apresentados nos incisos I e II do caput do mesmo
artigo 14 da LRF, a cuja leitura remetemos agora para não nos tornamos
repetitivos.
Importa registrar que tais exigências correspondem a medidas que visam
impedir a utilização destas leis de maneira indiscriminada e descontrolada, bem
como visam evitar maiores prejuízos aos cofres públicos, os quais, como vimos,
receberão menos do que o previsto nas respectivas leis orçamentárias anuais.
Há ainda a exigência contida no §2º do artigo 14, a qual está diretamente
relacionada à previsão do inciso II do mesmo artigo, quando feita tal opção
pelo administrador público, exigindo que a lei concessiva do benefício somente
entre em vigor quando efetivamente implementadas as medidas de compensação aos
cofres públicos anunciadas naquele inciso.
Portanto, não se mostra difícil concluir que qualquer lei municipal que
tenha por objetivo conceder benefícios ou incentivos fiscais – entenda-se
anistia tributária – deverá atender integralmente às exigências contidas no
artigo 14 da LRF. Na prática, ao enviarem os respectivos projetos de lei ao
Poder Legislativo, os Prefeitos devem demonstrar de forma clara e minuciosa o
atendimento a tais requisitos e condições, sob pena de não poderem ser
aprovados, por frontal ofensa e desatendimento à LRF.
Evidente que, na prática, muitos Prefeitos acabam conseguindo a aprovação
de leis desta natureza sem o mínimo atendimento aos requisitos descritos no
artigo 14 da LRF, ou ainda dissimulando o cumprimento destes mesmos requisitos,
afirmando em textos vagos e imprecisos que tais condições estão sendo
observadas e cumpridas, sem, de fato, comprová-las.
Ao assim agirem, os Prefeitos e todos aqueles que concorreram para a
produção de efeitos destas leis estão incidindo em atos de improbidade
administrativa, a teor do que estabelecem o artigo 10 da Lei 8.429/92 - LIA.
III – A caracterização do ato de improbidade administrativa.
Ao relacionar, de maneira exemplificativa, os atos que configuram
improbidade administrativa por causarem danos ao erário público, a Lei Federal
n. 8.429/92 estabelece, em seu artigo 10, inciso VII, que constitui improbidade
administrativa o ato de “conceder benefício administrativo ou fiscal sem a
observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie”.
Nos parece bastante clara a caracterização de tal ato de improbidade a
partir do momento em que um Prefeito Municipal encaminha um projeto de lei para
a Câmara Municipal tendo por objetivo a aprovação de lei que vise a concessão
de incentivos ou benefícios fiscais da forma acima exposta, sem que tal projeto
esteja acompanhado de explicações, fundamentações, planilhas e demonstrações
cabais dos requisitos e condições exigidos pelo artigo 14 da LRF.
É evidente que, para a completa caracterização do ato previsto no inciso
VII do artigo 10 acima transcrito, necessário se faz que a lei seja aprovada e
produza efeitos, com efetivas concessões de benefícios a contribuintes
diversos, com recolhimentos de tributos em valores menores do que aqueles constantes
da dívida ativa do Município. Ou seja, especificamente para a configuração do
ato previsto no inciso VII, é necessário que a lei concessiva do benefício
fiscal produza seus efeitos, já que o verbo constante do mencionado dispositivo
é “conceder”, o que não ocorre enquanto a lei concessiva não produz efeitos e
não favorece, de fato, um considerável número de contribuintes.
No entanto, a partir do momento em que passa a produzir efeitos, o ato
está configurado e caracterizado. Também estará demonstrado o prejuízo sofrido
pelo erário municipal que deixou de receber parte de sua receita tributária, cujo
valor correspondente ao total dos juros e multas que deixaram de ser
recolhidos. Aplicáveis, neste caso, as penas previstas no inciso II do artigo
12 da Lei de Improbidade Administrativa.
A nosso ver, quando a lei concessiva do benefício entra em vigor, também
estará caracterizado o ato de improbidade previsto no inciso X do mesmo artigo
10, o qual se refere ao Chefe do Executivo que “agir negligentemente na
arrecadação de tributo ou renda...”.
Ora, se o administrador público não cuidou de cumprir os requisitos da
LRF quando elaborou uma lei concessiva de benefícios fiscais, pode-se
perfeitamente afirmar que ele agiu de forma negligente – omitiu-se no cumprimento
de uma determinação legal – ao arrecadar os tributos sob sua responsabilidade,
deixando de exigir o recolhimento integral dos valores devidos sem a
correspondente previsão dos mecanismos de compensação financeira.
Assim, torna-se ainda mais patente a caracterização de atos de
improbidade administrativa, com perfeita subsunção a dois dos incisos previstos
expressamente pelo artigo 10 da LIA.
Caracterizados os atos de improbidade administrativa, restará ao Promotor
de Justiça analisar a extensão dos danos – cujos dados são de fácil obtenção
junto à tesouraria, departamento financeiro ou secretaria da fazenda municipal
– e seus agentes responsáveis e colaboradores, dentre os quais poderão estar
Diretores ou Assessores financeiros, tesoureiros, Secretários da Fazenda,
dentre outros. Importa registrar que, em assuntos de natureza financeira, muito
dificilmente os Prefeitos agem sozinhos, sem orientação específica de pessoas
mais técnicas no assunto. Inegável a responsabilidade deles, que são os representantes
do ente público atingido, mas não se deve ignorar que certamente agiram sob
orientação ou acompanhamento de terceiros.
Caberá ainda a análise da responsabilidade dos membros do Poder
Legislativo em razão da aprovação de projetos de leis elaborados nestas
condições, em frontal ofensa ao disposto no artigo 14 da LRF. Pode-se
perfeitamente afirmar que, ao analisarem, discutirem, debaterem e votarem
projetos de lei nestas condições, aprovando-os, os Vereadores também ignoraram
a exigência contida na LRF, ou dela fizeram “vistas grossas”, cabendo ser feita
tal análise caso a caso, responsabilizando-os nos exatos termos do artigo 12,
inciso III, da LIA, se restar caracterizada a negligência ou omissão deles no
exercício de seus deveres.
IV – Conclusões.
Partindo das considerações e análises acima expostas, podemos chegar a
diversas conclusões e assertivas, dentre as quais, entretanto, destacamos duas,
a saber:
01 – Toda lei que cria, prevê ou estabelece benefícios ou incentivos
fiscais, notadamente aquelas que permitem o recolhimento de tributos já
inscritos em dívida ativa sem o pagamento dos valores correspondentes a juros e
multas sobre eles incidentes, devem atender integralmente os requisitos e
condições exigidos pelo artigo 14 da LRF, sob pena de caracterização de atos de
Improbidade Administrativa, à luz do artigo 10, incisos VII e X, da LIA;
02 – Os Promotores de Justiça de todo o Estado que atuam na defesa do
patrimônio público, em conjunto com Auditores do Tribunal de Contas, Vereadores
ou demais pessoas que atuam na fiscalização da regularidade das contas
públicas, devem atentar para a existência destas leis em suas comarcas e exigir
a comprovação de que, ao serem elaboradas e aprovadas, tenha sido demonstrado e
comprovado o integral cumprimento das condições e exigências do artigo 14 da
LRF.
V – Bibliografia.
- CARRAZA, Roque
Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 26ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2010.
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